terça-feira, 9 de setembro de 2008

Um incidente

Deixou a confusa impressão de luzes fundidas à música excessivamente alta atrás de si, afastando-se pelos fundos. O ar da noite soprou-lhe o rosto, levava ainda um copo de uísque meio diluído pelo gelo - não o beberia, parecia apenas cômodo ter algo para ocupar as mãos. Alguns pensamentos leves surgiam, não como antes, imaginou o toque gelado descendo por costas nuas em um vestido negro. Na sua frente alguem fumava e um casal estava parcialmente envolvido pelas sombras do muro sujo.
Que haveria além da portinhola enferrujada na contrução? Sorriu-lhe a idéia de ultrapassar a casa, a portinha não estava trancada. Abriu-a com um chute, encontrando certo quintal. Era o jardim abandonado do terreno vizinho, onde apareciam silhuetas recortadas de umas poucas árvores contra o céu.
Veio depois a sensação, dedos ligeiros roçando os seus, ah, recostou-se rápido em uma árvore antes de virar-se e sentir ansiedade, encarava já uns olhos miúdos.
Não esperava você, não você. Algo há de ser feito. Se consegue qualquer coisa com um rosto assim, pensou. Estava tão pálida naquela noite, como ficaria qualquer criatura iluminada daquela maneira, procurou convencer-se. Uma música que não se escuta mais soou na sua cabeça. Pelos anos sentiu falta de uma crença contrastando com tudo que julgava certo. Os dias mudaram, porém; cansava-se com facilidade agora, não desejava mais longos pensamentos de outro tempo, irritou-se com tudo isso.
"Mas você não estava morta?" E, ademais, por que agora? A ouviria atentamente pelas horas, sabia entretanto, não importasse a circunstância. Ela deixava de ser insignificante apenas nessa situação: os olhos sorriam, pequenos. Semelhante a uma suave aparição, retornara.
"Achei que estava morta", uma presença frágil, nada além de frágil, tal qual palavras que morriam no repentino silêncio...

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